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Sugarland

No aniversário de 20 anos do especial, saiba como grandes estrelas da música se uniram em concerto extravagante, cheio de drama e glória.

O ar de Nova York estava calmo e refrescante na noite de 14 de abril de 1998. Mas um fogo ardia forte dentro do Beacon Theater, no Upper West Side de Manhattan. Os fiéis estavam reunidos. Uma cerimônia religiosa estava prestes a começar. Seis deusas aguardavam nos bastidores, mas depois de subirem ao palco não precisaram pregar para fazer novos convertidos. Todos as pessoas em sã consciência já tinham se ajoelhado diante de seu altar e continuariam a fazê-lo por vários anos ainda.

O evento em questão foi, é claro, o concerto Divas Live, da rede VH1. As deusas eram prima-donas da música pop: Aretha FranklinMariah Carey, Céline DionGloria EstefanShania Twain e Carole King que cantaram canções de seus respectivos repertórios, juntas e individualmente. A “cerimônia religiosa” foi sucesso enorme de audiência, então no ano seguinte a VH1 ampliou as razões para os fãs entoarem hosanas. Whitney Houston, Tina Turner, Cher e Brandy foram as atrações principais de Divas Live ’99, e juntaram-se a elas Mary J. Blige, Chaka Khan, LeAnn Rimes, Faith Hill e um “convidado muito especial”, Elton John. O concerto virou o programa de maior audiência na história da emissora, um santo graal para a VH1 e para o mundo.

Como pode atestar praticamente qualquer produção em grande escala, colocar pelo menos uma dúzia de grandes estrelas juntas em um mesmo evento é algo que não se faz sem alguns tropeços e polêmicas. Por isso, antes de festejar o vigésimo aniversário do evento, falei com cinco produtores responsáveis pelos três primeiros shows Divas (o de 2000 foi uma homenagem a Diana Ross, com participações de Mariah Carey, Faith Hill, Donna Summer e RuPaul) para ver quantas fofocas eu conseguiria reunir sobre esses eventos cheios de brilho.

Vá buscar um balde de pipoca. Ou um pouco de água benta.

1. As origens, ou: no primeiro dia, Deus criou Céline

No início de 1998 um executivo da VH1 chamado Wayne Isaak, que passara mais de uma década como guru de publicidade da gravadora A&M Records, estava tentando convencer Céline Dion a cantar num “grande concerto” que seria voltado ao público fundamental da emissora: adultos na faixa dos 24 aos 35 anos, especialmente mulheres, que se reuniam para ouvir canções como Behind the MusicStorytellers Crossroads.

Ao mesmo tempo, Isaak e o resto da equipe de pré-programação da emissora precisavam de uma grande atração para substituir o especial Honors, uma cerimônia sem brilho promovida entre 1994 e 1997 para homenagear o trabalho filantrópico de músicos. Convenientemente, a rede acabara de criar a Save the Music Foundation, organização sem fins lucrativos que doava instrumentos musicais a escolas públicas. A direção da empresa aproveitou a oportunidade para levantar fundos para a ONG e promover um concerto com grandes nomes.

Isaak sabia que conseguir convencer Dion a participar, mas Lauren Zalaznick, uma ex-publicitária rematada que acabaria por dirigir a Bravo, defendeu a criação de uma franquia que virasse uma marca própria. Então Isaak propôs The Three Divas, aproveitando a fama do popular grupo de cantores líricos conhecido como Os Três Tenores. A equipe pensou em capitalizar em cima do grande momento que as mulheres estavam tendo na música. Sarah McLachlan havia inaugurado o festival Lilith Fair pouco antes. Missy Elliott e Lil’ Kim estavam arrasando no cenário hip-hop. O ápice do mundo das cantoras-compositoras era ocupado por figuras como Alanis Morrissette e Tori Amos. Madonna e Lauryn Hill estavam prestes a lançar álbuns que definiriam suas carreiras. O Grammy de 1999 teria uma raridade: uma categoria Melhor Álbum do Ano em que todas as candidatas eram mulheres.

Isaak propôs a Céline Dion formar as Três Divas juntamente com Aretha Franklin e Mariah Carey, e ela teria dado sua aprovação entusiasmada. Com isso, é claro, o conceito ganhou ímpeto rapidamente, virando uma bola de neve. “E se incluirmos Gloria Stefan?” Isaak aventou. “É claro”, responderam todas as outras. “E Shania Twain?” Isso já era um pouco mais complicado.

Twain já tinha dois sucessos modestos no gênero pop, mas ainda era sobretudo uma atração country. Com seu terceiro álbum, Come On Over, tendo sido lançado em novembro de 1997 e altamente elogiado, sua gravadora queria convertê-la em grande virtuose “crossover“, uma perspectiva auxiliada pela VH1, que colocava seus vídeos em rotação frequente. Mas ela ainda não tinha chegado totalmente ao nível das outras divas quando Isaak tentou convencer seus colegas a incluí-la no mesmo show que Aretha Franklin, Mariah Carey, Céline Dion e Gloria Estefan.

“Eu não queria Shania Twain no show”, Zalaznick recordou. “Não achava que ela se encaixava ali com as divas. Mas Isaak me convenceu que ela seria a maior artista daquele ano, e acho que ele teve razão.”

Quando Divas Live foi transmitido, em abril, a premonição de Wayne Isaak se realizou. You’re Still the One foi um megasucesso, convertendo Shania Twain em nome conhecido por todos e sua canção na terceira mais popular do ano, segundo a lista Billboard dos sucessos do final do ano. Na realidade, segundo Isaak, o segmento de Shania Twain foi o quarto de hora que teve a maior audiência do show Divas.

Uma vez definidas as participantes – o produtor veterano Ken Ehrlich recrutou Carole King como acréscimo de último minuto –, Three Divas mudou de nome para Divas Live. Conforme o material de divulgação, as mulheres estavam todas em pé de igualdade: o cartaz foi projetado de modo que a cabeça de cada cantora tinha o mesmo tamanho que as outras, segundo Zalaznick. Isso ajudou a acalmar as hesitações dos produtores em relação ao uso do termo “diva”, que eles diziam ter a intenção de ser empoderador. “Garantimos que seríamos gentis com elas, que não as trataríamos com ironia”, disse Isaak.

E assim nasceu um grande espetáculo de muitos gêneros. “De uma maneira estranha, parece que nos antecipamos ao casting do programa ‘The Voice’, no sentido em que tentamos incluir cada um dos maiores gêneros. Isso era arriscado por que, como o Grammy, em um show que é feito para todos, você às vezes corre o risco de criar um show que não agrada a ninguém”, disse Zalaznick. “Decidimos que aquela era nossa melhor chance de fazer algo deslumbrante e ter duetos maravilhosos.”

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